Já testei muita coisa ruim nesses meus 50 anos como jornalista automotivo, seja no Brasil ou fora dele. Infelizmente, a vida não é só feita de carros legais, esportivos e com projetos interessantes, e essas “tranqueiras” me motivaram a criar a lista dos piores carros que já guiei, como contraponto a série dos melhores. Algumas das marcas citadas nem vendem mais seus carros no Brasil, pois não conquistaram nosso público. Outras ainda estão ativas e são reconhecidas. Por isso, delas, vou me limitar a contar o caso, sem especificar fabricante ou modelo. Para bom entendedor, meia palavra basta.
VEJA TAMBÉM:
Dando continuidade a essa sequência, , agora falo de um carro ruim, que me deixou lembranças tenebrosas, mas não falarei sua marca ou modelo. Primeiro porque a fabricante ainda está entre nós, inclusive fazendo bastante sucesso e lançando novidades, e outra porque o veículo em questão é bastante cultuado entre os autoentusiastas. A única coisa que posso adiantar é que se trata de um dos primeiros carros 1.0 brasileiros, lá do comecinho dos anos 1990. Mais uma vez, para bom entendedor, meia palavra basta.
A tal marca pegou seu menor carro e reduziu a capacidade cúbica do seu motor para 999 cm³, tudo para que ele entrasse na nova onda dos 1.0. Na época do seu lançamento, fiz a cobertura da novidade, e, curioso, logo fui falar com a engenharia de motores: queria saber como eles chegaram naquela nova relação curso/diâmetro para transformar o motor 1.4 de origem em um 1.0.
Lembro-me que fiquei horrorizado com o relato dos engenheiros, que chegaram nessas novas medidas simplesmente pensando na linha de produção: criaram um diâmetro que permitisse que o pé da biela passasse pelo interior do cilindro. O novo curso foi decorrente do tal diâmetro que eles já sabiam. Só isso, o que, para mim, foi um balde de água fria. Na época, imaginei que o time de engenharia da fabricante tinha quebrado a cabeça pensando no melhor fluxo de gases, no menor atrito de pistão com cilindro, em tempos melhores de abertura e fechamento das válvulas de admissão pelo comando…que nada! Desenvolveram o menor cilindro para caber o pé da biela e estava pronto o motor.
O preocesso de conversão do jurássico 1.4, que estreou nos anos 1970, num 1.0 foi digno de oficina de fundo de garagem (Foto: Shutterstock)
O tal “novo 1.0” era uma catástrofe, sem força alguma em baixas, médias ou altas rotações. Nem a relação do diferencial bastante encurtada ajudava, e o carro se arrastava até em pistas planas. Em subidas, com motorista e mais um passageiro, já era difícil. Com mais gente a bordo, ele simplesmente não saía do lugar: berrava, queimava embreagem, sem sucesso algum. Tranqueira! Em testes com o “veículo” (se é que podemos chamá-lo assim), tendo peso a bordo, lembro-me de ter que voltar ao início de uma ladeira, pegar embalo em 1ª marcha, acelerar forte e torcer para que ele chegasse ao final da subida.
Já imaginaram? Um carro sem força para sair numa ladeira? Você e sua família a bordo dele, com malas, sogra, cachorro, enfrentando esse tipo de perrengue. Pegar estrada? Nem pensar. Para a alegria de alguns, esse modelo durou pouco: mal completou um ano de mercado, levando junto “para a cova” seu motor 1.0. Virou motivo de chacota e piadas e, mesmo depois de mais de 30 anos fora de linha, ainda é lembrado com risadas.
Com todo preso concentrado sobre o eixo dianteiro e balanços longos, o Towner era quase uma gangorra sobre rodas
Fechando a lista, outro importado, dessa vez sul coreano, e não russo. Falo do Asia Towner, vanzinha de carroceria visivelmente frágil, pequena e estreita, com um seríssimo problema de projeto: seu motor 0.8 ficava logo abaixo do banco do passageiro dianteiro, e, também na frente, ia a transmissão. Ou seja, todo o peso da mecânica ficava concentrado na dianteira, deixando a traseira livre, leve e solta. Péssima distribuição.
O carrinho era muito perigoso em algumas situações: numa descida muito íngreme, como essas que encontramos em garagens de prédios ou de estacionamentos de subsolo, caso o motorista viesse muito rápido e freasse de última hora, era arriscado capotar de frente! Assim como uma barata morta, de pernas para o ar, o Towner ficava com as quatro rodas para cima. Presenciei um caso desses em São Paulo, numa rampa de estacionamento subsolo.
Definitivamente o Towner foi um dos piores carros que já testei devido suas falhas grotescas de engenharia
Em meados dos anos 1990, cheguei a ver outro acidente com que me chamou a atenção: uma batidinha leve, daquelas de semáforo, onde um Towner tinha batido de leve na traseira de algum outro veículo. Coisa corriqueira no trânsito de qualquer cidade grande. Depois do acidente, o motorista da vanzinha não descia do carro, e só descobri o motivo quando, sem nada ter a ver com o acidente, fui ver o que tinha acontecido: naquela pancadinha de leve, a frente do carrinho coreano tinha sido danificada a ponto de a pedaleira entortar e prender os pés do motorista. Bizarro…
Digamos que, estruturalmente…ele devia muito. Não tinha distribuição correta de peso, não era construído prevendo a segurança dos ocupantes nos menores impactos, mas, mesmo assim, fez sucesso no Brasil por ser barato e carregar bastante carga (teve versões picape e furgão) ou gente (até sete passageiros). O desempenho era bem limitado pelo seu motor de 40 cv, compensando com uma baita economia de gasolina.
Apesar de ser fraco e pouco confiável, o Towner teve várias derivações e vendeu muito por ser barato
Tiveram outros carros marcantes que não deixaram boas lembranças, mas com problemas pontuais e bem mais toleráveis: um SUV coreano turbodiesel que era extremamente lerdo, um sedan francês que tinha dificuldade no contorno de curvas, um SUV nacional que ousava com motor superalimentado, mas não andava nada, entre outros que nem lembro mais: de tão ruins, apaguei da memória.
Na próxima semana, vou começar a contar sobre algumas falcatruas que as fábricas faziam nos carros de testes para encantar, e enganar, jornalistas desavisados. Não perca!
VEJA TAMBÉM:
Dando continuidade a essa sequência, , agora falo de um carro ruim, que me deixou lembranças tenebrosas, mas não falarei sua marca ou modelo. Primeiro porque a fabricante ainda está entre nós, inclusive fazendo bastante sucesso e lançando novidades, e outra porque o veículo em questão é bastante cultuado entre os autoentusiastas. A única coisa que posso adiantar é que se trata de um dos primeiros carros 1.0 brasileiros, lá do comecinho dos anos 1990. Mais uma vez, para bom entendedor, meia palavra basta.
A tal marca pegou seu menor carro e reduziu a capacidade cúbica do seu motor para 999 cm³, tudo para que ele entrasse na nova onda dos 1.0. Na época do seu lançamento, fiz a cobertura da novidade, e, curioso, logo fui falar com a engenharia de motores: queria saber como eles chegaram naquela nova relação curso/diâmetro para transformar o motor 1.4 de origem em um 1.0.
Lembro-me que fiquei horrorizado com o relato dos engenheiros, que chegaram nessas novas medidas simplesmente pensando na linha de produção: criaram um diâmetro que permitisse que o pé da biela passasse pelo interior do cilindro. O novo curso foi decorrente do tal diâmetro que eles já sabiam. Só isso, o que, para mim, foi um balde de água fria. Na época, imaginei que o time de engenharia da fabricante tinha quebrado a cabeça pensando no melhor fluxo de gases, no menor atrito de pistão com cilindro, em tempos melhores de abertura e fechamento das válvulas de admissão pelo comando…que nada! Desenvolveram o menor cilindro para caber o pé da biela e estava pronto o motor.
O preocesso de conversão do jurássico 1.4, que estreou nos anos 1970, num 1.0 foi digno de oficina de fundo de garagem (Foto: Shutterstock)
O tal “novo 1.0” era uma catástrofe, sem força alguma em baixas, médias ou altas rotações. Nem a relação do diferencial bastante encurtada ajudava, e o carro se arrastava até em pistas planas. Em subidas, com motorista e mais um passageiro, já era difícil. Com mais gente a bordo, ele simplesmente não saía do lugar: berrava, queimava embreagem, sem sucesso algum. Tranqueira! Em testes com o “veículo” (se é que podemos chamá-lo assim), tendo peso a bordo, lembro-me de ter que voltar ao início de uma ladeira, pegar embalo em 1ª marcha, acelerar forte e torcer para que ele chegasse ao final da subida.
Já imaginaram? Um carro sem força para sair numa ladeira? Você e sua família a bordo dele, com malas, sogra, cachorro, enfrentando esse tipo de perrengue. Pegar estrada? Nem pensar. Para a alegria de alguns, esse modelo durou pouco: mal completou um ano de mercado, levando junto “para a cova” seu motor 1.0. Virou motivo de chacota e piadas e, mesmo depois de mais de 30 anos fora de linha, ainda é lembrado com risadas.
Towner: um dos piores carros já projetados
Com todo preso concentrado sobre o eixo dianteiro e balanços longos, o Towner era quase uma gangorra sobre rodas
Fechando a lista, outro importado, dessa vez sul coreano, e não russo. Falo do Asia Towner, vanzinha de carroceria visivelmente frágil, pequena e estreita, com um seríssimo problema de projeto: seu motor 0.8 ficava logo abaixo do banco do passageiro dianteiro, e, também na frente, ia a transmissão. Ou seja, todo o peso da mecânica ficava concentrado na dianteira, deixando a traseira livre, leve e solta. Péssima distribuição.
O carrinho era muito perigoso em algumas situações: numa descida muito íngreme, como essas que encontramos em garagens de prédios ou de estacionamentos de subsolo, caso o motorista viesse muito rápido e freasse de última hora, era arriscado capotar de frente! Assim como uma barata morta, de pernas para o ar, o Towner ficava com as quatro rodas para cima. Presenciei um caso desses em São Paulo, numa rampa de estacionamento subsolo.
Definitivamente o Towner foi um dos piores carros que já testei devido suas falhas grotescas de engenharia
Em meados dos anos 1990, cheguei a ver outro acidente com que me chamou a atenção: uma batidinha leve, daquelas de semáforo, onde um Towner tinha batido de leve na traseira de algum outro veículo. Coisa corriqueira no trânsito de qualquer cidade grande. Depois do acidente, o motorista da vanzinha não descia do carro, e só descobri o motivo quando, sem nada ter a ver com o acidente, fui ver o que tinha acontecido: naquela pancadinha de leve, a frente do carrinho coreano tinha sido danificada a ponto de a pedaleira entortar e prender os pés do motorista. Bizarro…
Digamos que, estruturalmente…ele devia muito. Não tinha distribuição correta de peso, não era construído prevendo a segurança dos ocupantes nos menores impactos, mas, mesmo assim, fez sucesso no Brasil por ser barato e carregar bastante carga (teve versões picape e furgão) ou gente (até sete passageiros). O desempenho era bem limitado pelo seu motor de 40 cv, compensando com uma baita economia de gasolina.
Apesar de ser fraco e pouco confiável, o Towner teve várias derivações e vendeu muito por ser barato
Tiveram outros carros marcantes que não deixaram boas lembranças, mas com problemas pontuais e bem mais toleráveis: um SUV coreano turbodiesel que era extremamente lerdo, um sedan francês que tinha dificuldade no contorno de curvas, um SUV nacional que ousava com motor superalimentado, mas não andava nada, entre outros que nem lembro mais: de tão ruins, apaguei da memória.
Na próxima semana, vou começar a contar sobre algumas falcatruas que as fábricas faziam nos carros de testes para encantar, e enganar, jornalistas desavisados. Não perca!